A PRIMEIRA PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA CEE: RUMO À UNIÃO EUROPEIA

Portugal assumiu pela primeira vez a presidência do Conselho da CEE no primeiro semestre de  1992. E foi só nessa altura porque se decidiu, ainda antes da adesão e a meu ver bem, não assumir essa missão logo seis meses depois de integrarmos a CEE, no segundo semestre de 1986, como a  rotação normal das presidências determinaria entre os doze Estados membros. De facto, não seria  razoável enfrentar um tal encargo numa fase tão precoce da nossa adesão, quando todo o foco teria  de estar centrado no esforço de adaptação ao embate da integração plena e na gestão de uma  transição harmoniosa e sem rupturas, como de resto se conseguiu realizar. 

Assim, houve tempo para preparar a primeira presidência e foi já com alguns anos de  experiência do funcionamento institucional da CEE que a exercemos

Nesse tempo, é importante recordar, que a integração europeia conhecia uma decisiva  aceleração na sequência do Acto Único Europeu e das propostas mobilizadoras que Jacques Delors liderou. Vivíamos o tempo empolgante que se seguiu à queda do muro de Berlim e à unificação da  Alemanha. Mas também o tempo dos conflitos que emergiram com a implosão da Jugoslávia e as  sequelas da guerra do Golfe. Uma Europa que se afirmava então como tendo sucesso no seu grande  desígnio da integração económica (o modelo do grande mercado único inspirou mesmo várias outras  iniciativas de integração noutras áreas do mundo, como o NAFTA e o Mercosul). 

Era, naturalmente, do interesse nacional que a presidência de 1992 fosse realizada com rigor,  competência e se saldasse por resultados positivos para o projecto de construção europeia. Desde  logo, por ser a primeira que nos cabia assumir, geraria sempre um maior escrutínio por parte dos  nossos parceiros e das instituições comunitárias e, um eventual exercício falhado, deixaria marcas  muito negativas para o futuro. A presidência era como que um teste à maturidade da nossa integração  nas Comunidades Europeias e à nossa ancoragem ao projecto europeu. E estávamos bem conscientes  que o sucesso do seu exercício não só seria prestigiante para o nosso País, quer a nível europeu, quer  a nível mundial, como também e, sobretudo, reforçaria a credibilidade e o peso da nossa voz nas  instituições e, em particular, no processo de decisão comunitário. 

E foi com esse espírito que, cerca de três anos antes, a primeira presidência começou a ser  preparada. Recorde-se que, nessa altura, a presidência era plena, isto é, todas as instâncias do  Conselho, a todos os níveis (Grupos de trabalho, Coreper, reuniões ministeriais, conselhos informais) eram presididas por Portugal, incluindo naturalmente o Conselho Europeu. A preparação envolveu os importantes (e bem mais relevantes do que se pensa) aspectos logísticos (locais, instalações,  deslocações, comunicações, comunicação social, segurança). E incluiu também um vasto programa de  formação e training de diplomatas e técnicos, realizado com a colaboração de várias entidades, de que  destaco o Instituto Europeu de Maastricht e o Instituto Nacional de Administração. E, é claro, houve  um laborioso trabalho de programação das agendas de trabalho que teríamos de enfrentar durante  esse semestre, para o que foi crucial um diálogo intenso com a Comissão Europeia, bem como com o  Parlamento Europeu e o Secretariado Geral do Conselho. Aliás, o espírito de franca cooperação que  construímos com as instituições foi um dos factores que contribuíram para os bons resultados dessa  primeira presidência. 

Também particularmente importante, foi a definição de um método de coordenação para  garantir a coerência e a eficácia da presidência. Sob a liderança política do PM, Aníbal Cavaco Silva e a  supervisão do MNE, João de Deus Pinheiro, coube à Secretaria de Estado da Integração Europeia a  coordenação técnica. Um papel também central incumbiu, naturalmente, à Direcção Geral dos  Assuntos Comunitários, em Lisboa, e à REPER, na linha da frente, em Bruxelas. Para monitorar, a passo  e passo, o exercício da presidência foi criada uma task force no Gabinete do Secretário de Estado da  Integração Europeia que, em contínuo, foi avaliando o desempenho dos diferentes níveis de acção.  

Rumo à União Europeia foi o lema da presidência de 1992 que teve como símbolo o astrolábio.  Nesse tempo imperava um clima de confiança à volta do projecto de construção europeia que conhecia  um intenso aprofundamento, sob o impulso de Jacques Delors e do seu espírito visionário, escorado no apoio de líderes carismáticos como François Mitterand e Helmut Köhl, a que se juntavam os líderes  dos dois novos países aderentes, Aníbal Cavaco Silva e Filipe Gonzalez. 

A presidência do Conselho de Ministros tem de acomodar, em larga medida, a agenda que  decorre da dinâmica de integração europeia e das novas iniciativas da Comissão. Mas é sempre  possível imprimir uma influência que marque o cunho diferenciador de cada Estado membro que a  exerce. No programa da presidência de 1992 assumiu-se claramente o compromisso de levar por  diante as prioridades da agenda comunitária, de resto em coerência com a orientação que Portugal  adoptou, desde a adesão, de apoio ao aprofundamento da integração europeia por se entender que  era isso que o interesse nacional exigia. E acrescentaram-se iniciativas portuguesas que se  consideraram particularmente relevantes para Portugal e para a Europa, nomeadamente nos domínios  da coesão e das relações externas. 

Para além do Tratado da União Europeia, cuja redacção final, com base no compromisso da  Cimeira de Maastricht, em Dezembro de 1991, já foi elaborada e assinada sob a nossa presidência, a realização do mercado interno foi uma das principais prioridades. Vivia-se o ano decisivo para garantir  a livre circulação no grande espaço sem fronteiras, principal desígnio do Acto Único Europeu. Ora, o  Conselho do Mercado Interno, sob a nossa presidência, conseguiu aprovar directivas fundamentais, a  ponto de Delors ter declarado, em Junho de 1992, que a realização do mercado único europeu (a  revolução tranquila como também lhe chamava) tinha alcançado o ponto de não retorno. E bem se  sabe como o mercado interno é, ainda hoje, pilar absolutamente fundamental da União Europeia. 

Resultado importante da nossa presidência foi também a reforma da política agrícola comum,  a primeira grande reforma dessa política desde a criação da CEE, em 1957

Sobre a mesa do Conselho de Assuntos Gerais esteve também um tema da maior relevância:  o Pacote Delors II. Isto é: os meios financeiros para realizar a ambição de uma verdadeira união mais  sólida, mais justa e mais solidária. A proposta da Comissão foi largamente debatida nas reuniões do  Conselho sob nossa presidência, incluindo um encontro de tipo conclave, presidido por João de Deus Pinheiro, para tentar um compromisso para ser presente ao Conselho Europeu e aí superar, ao nível  dos Primeiros Ministros, as resistências a um acordo que vinham sobretudo da Alemanha e do Reino  Unido, Estados que se opunham ao aumento do montante global de recursos e ao reforço das verbas  para a coesão. 

No Conselho Europeu de Lisboa, em Junho de 1992, em reunião que estreou o Centro Cultural  de Belém, presidida por Cavaco Silva, um dos principais temas da agenda foi o Pacote Delors II. O  esboço de compromisso final, apesar do apoio firme de Delors e de Mitterrand e da maioria dos  Estados, não obteve a concordância de Helmut Köhl e de John Major. Apesar disso, ficou, nessa  cimeira, definida a base que escorou o acordo sobre o Pacote Delors II que viria a ser alcançado, seis  meses depois, sob presidência inglesa, em Dublin. A presidência portuguesa conseguiu, todavia,  aprovar nessa reunião de Lisboa, o Fundo de Coesão, previsto no Tratado de Maastricht, de modo a  que pudesse entrar em vigor logo no início de 1993. Decisão relevante pelo papel que o Fundo de  Coesão veio a ter nas políticas europeias para apoio aos Estados que enfrentavam os desafios da  convergência económica. E teve um significado acrescido para nós, já que a concepção do Fundo de  Coesão teve como base uma reflexão portuguesa apresentada à Comissão Europeia. Sabíamos bem  como era vital garantir o reforço das políticas de coesão económica e social, de modo a que todos os  Estados pudessem tirar partido da dinâmica de crescimento económico gerada pelo mercado interno  e, do mesmo passo, superar riscos de novas assimetrias e rupturas regionais. 

A marca portuguesa ficou também vincada na agenda das relações externas da nossa primeira  presidência. Em coerência com a orientação que sempre defendemos de uma Europa aberta, apoiante do multilateralismo e vocacionada para estreitar os laços e a cooperação com outras áreas geográficas  e com isso se afirmar como referência no mundo global que então emergia.  

Desde logo, merece destaque a assinatura, no Porto, do Tratado do Espaço Económico  Europeu (EEE) que aprofundou a cooperação entre a EFTA e a CEE. Portugal empenhou-se muito nesse  Acordo, até pelos seus antigos e frutuosos laços com a EFTA, já que foi um dos seus fundadores, em  1960, e nessa Associação permaneceu 25 anos, até à adesão à CEE. A assinatura do Tratado do EEE  ocorreu no belíssimo salão árabe do Palácio da Bolsa, em cerimónia que deixou uma marca impressiva  em todos os signatários. 

E foi sob a presidência de João de Deus Pinheiro que se realizou, em Guimarães, em 1992, a  primeira reunião CEE – Mercosul, reunião que semeou um diálogo intenso entre essas duas grandes  áreas. 

Ainda nas relações externas dois relevantes acordos foram alcançados e assinados durante a  primeira presidência portuguesa. Por um lado, o acordo CEE – Macau, inaugurando um quadro  específico de relações comerciais e económicas entre a Europa e aquele território então ainda sob  administração portuguesa, e que foi depois fulcral para estribar o estatuto especial de Macau 

posteriormente negociado com a China. Por outro lado, o acordo CEE – Brasil que reforçou a  cooperação da Europa com o maior País da América Latina, acelerando a dinâmica das trocas  comerciais, favorecendo o investimento industrial e criando uma nova dinâmica de diálogo político. 

A avaliação feita no fim da nossa presidência, quer em Bruxelas, quer em Portugal, foi muito  positiva. Destaco a apreciação pública feita pela Comissão Europeia, pela voz de Jacques Delors, que  referiu que Portugal agia na CEE como se tivesse sido um dos fundadores, pelo Parlamento Europeu de  que recordo, por exemplo, uma intervenção de aplauso à nossa presidência por parte de Giscard  d’Estaing. Também a Assembleia da República relevou o bom desempenho de Portugal no exercício  dessa presidência. 

Não foi só prestígio o que colhemos para o nosso País. Foi também, e sobretudo, o reforço da  credibilidade da empenhada participação de Portugal na construção do mais ambicioso projecto de  unidade da Europa, fundado na paz, na democracia e na solidariedade.  


Testemunho Vítor Martins