A SEGUNDA PRESIDÊNCIA PORTUGUESA (2000)

A presidência da União Europeia, ou mais precisamente, a presidência rotativa do Conselho de Ministros da União Europeia é uma instituição importante no processo europeu quer para a União, quer para os seus Estados Membros.

Na perspectiva da União, a presidência é vista como a liderança europeia e espera-se dela, não só que tenha a competência gerir o presente, mas também, que tenha o sentido estratégico para planear o futuro.

No perspectiva dos Estados Membros, o exercício da presidência é visto não só como a possibilidade de liderar a União, mas também, como a oportunidade de projetar os interesses nacionais na agenda europeia.

Ora, se isto é verdadeiro como princípio geral, é verdade, por maioria de razão, para os Estados Membros, pequenos e médios, como Portugal, que têm um peso limitado no quadro da União e vêm, por isso, o semestre de presidência como uma oportunidade única de o potenciar.

Portugal exerce durante este primeiro semestre de 2021 a presidência da União Europeia. Não é a primeira vez. É a quarta. Portugal exerceu, já, a presidência da União Europeia por três vezes: no primeiro semestre de 1992, no primeiro semestre de 2000 e no segundo semestre de 2007. Ora, o objectivo deste texto é, apenas, o de deixar um depoimento breve sobre a segunda presidência portuguesa da União Europeia, em 2000.

Membro de pleno direito da União Europeia, desde Janeiro de 1986, na sua primeira presidência, em 1992, Portugal tinha, ainda, poucos anos de integração europeia. Nesses seis anos, tinha alcançado o primeiro objectivo que tinha motivado o seu pedido de adesão: a consolidação da democracia.  Porém, os outros objectivos estavam ainda no seu início: a modernização da economia e a europeização da sociedade. Nesse sentido, a primeira presidência portuguesa é marcada pela prudência e pelo pragmatismo do recém-chegado e dirigida para dois objectivos: a procura de todas as vantagens económicas e sociais da integração, em particular, dos fundos estruturais; e a conquista da credibilidade externa como membro de pleno direito da EU, isto é, as suas credenciais europeias. Ambos, foram alcançados co sucesso.

A segunda presidência portuguesa da União Europeia, em 2000, desenrola-se num contexto completamente diferente. Portugal tinha cumprido mais de uma década de convergência europeia, de modernização económica e social, de europeização acelerada das suas políticas públicas e o país atravessava um período, sem precedentes, de euro-entusiasmo. Ao contrário da primeira presidência, Portugal transmite a ideia de um país, confortavelmente integrado na União Europeia, com uma ideia portuguesa para a Europa e capaz de mobilizar os seus pares para o futuro do projeto europeu.

Em 2000, a Europa era definida como prioridade das prioridades do interesse nacional e é nesse contexto que se inicia a segunda Presidência portuguesa.

No plano económico e social, o grande objectivo, alcançado no Conselho de Março de 2000, foi a aprovação da chamada Estratégia de Lisboa, que supostamente deveria conduzir a União Europeia à liderança da economia mundial no prazo de uma década. O futuro não lhe reservou grande sucesso. E não tanto por causa dos objectivos, mas em boa parte porque o método de aplicação fugia à fórmula comunitária e não tinha por isso obrigação vinculativa. No plano institucional, a questão central era a reforma das instituições e o grande objetivo europeu era o aperfeiçoamento do sistema institucional da UE (adaptar Bruxelas ao alargamento a Leste). Nesse contexto, a Conferência Intergovernamental em Nice, em 2000, marcou o início da pressão dos países grandes no sentido de aumentarem o seu peso na ponderação de votos no Conselho, no processo de decisão europeu. A culminar este período de euforia europeísta de Portugal, a Conferência Intergovernamental de Nice permitiu à presidência portuguesa desempenhar um papel de liderança dos pequenos e médios estados europeus na defesa dos seus interesses, perante a pretensão das grandes potências em reforçarem o seu peso na ponderação de votos. Este papel foi importante nas negociações da reforma institucional e foi, indiscutivelmente, um dos momentos de maior relevo da participação de Portugal no processo de integração europeia.

No plano da política externa, a Presidência portuguesa procurou desenvolver a afirmação externa da União, beneficiando das relações históricas de Portugal com as áreas regionais historicamente ligadas ao seu interesse nacional. Para além da aprovação da Estratégia Comum para o Mediterrâneo e o lançamento da Estratégia UE-Índia, as duas grandes prioridades da presidência portuguesa, ambas conseguidas, centraram-se em África:  o Acordo de Cotonou entre UE-ACP e, a grande prioridade, a realização da primeira Cimeira UE-África.

Regista-se, assim, um enfoque crescente nas questões político-institucionais e de política externa em grau, pelo menos idêntico, às questões de natureza económica e social, que mereceram prioridade na primeira presidência.

As funções de administração e coordenação foram desempenhadas com a mesma competência da primeira presidência. Mas esse, não era já um objectivo. Portugal não precisava já de provar a sua credibilidade externa e as credenciais europeias eram dado adquirido.

As funções de negociação foram desempenhadas em elevado grau, dado o grande número de dossiers durante a presidência e o pesado conjunto de Cimeiras. No que toca à função de liderança e agenda-setting, o papel da presidência portuguesa teve, também, um perfil alto e uma influência superior ao peso do país no contexto da União. Desempenhou esse papel no dossier na Estratégia de Lisboa, na Cimeira UE-África e, sobretudo, na liderança dos pequenos países no debate da reforma institucional no Tratado de Nice.

Nesta segunda presidência, Portugal assumiu, assim, um perfil alto, menos administrativo e, claramente, político. Revelou uma ideia portuguesa para a Europa e procurou, com sucesso, projectar essa ideia no processo de integração europeia.


Testemunho Nuno Severiano Teixeira